Wednesday, June 21, 2006

Sombras, idéias e a rejeição do mal-acostumado

Uma vez eu conheci um garoto que era daltônico e um cachorro que falava. Este enxergava em preto e branco e o garoto não abria a boca para muita coisa.
Eu vivia falando-lhes, invejosamente, de como o mundo era colorido. Para um explicava sobre as cores que não podia ver, para o animal sobre todas as outras.
Com sua saudável inveja faziam-me feliz demais. Eu adorava ver seus olhos brilhando enquanto dissertava sobre todos os efeitos que as banais cores que lhes faltavam podiam causar.
Nossas vidas e amizades estavam caminhando como nunca, como nenhuma outra.
Num dia qualquer que eu não me lembro apareceu um tal Sr. F. K. Matias, que dizia poder curar qualquer deficiência ou debilidade e realizar qualquer milagre com um simples toque na testa, e de graça. Não precisou dizer duas vezes para que meus dois amigos ficassem ansiosos em vê-lo. Não paravam de comentar sobre o curandeiro. Eu dizia que era besteira e acabei parando de falar-lhes as coisas de sempre.
Em menos de um mês conseguiram encontrar o acessor de Matias e marcaram uma hora para outro mês. Fiquei até um pouco feliz por eles, não muito, é claro, pois iriam roubar-me momentos de auto-satisfação pelos quais eu não precisava me esforçar.Mas tudo bem.
Acompanhei-os na consulta, foram menos de cinco minutos. E não era que o doutor curava mesmo!?
Os dois deram pulos de susto e não sei por qual motivo pararam, pois continuavam se assustando a todo momento. O garoto nem tanto, o cachorro saiu correndo de uma mosca verde.
Depois de um bom tempo os dois ainda não tinham se acostumado. Pareciam querer coçar os olhos o tempo todo. Era quase que um inconformismo diante do incômodo que era aquele colorido claro e chato em suas retinas.
Não rendeu. Não aguentaram. Procuraram o curandeiro F. K. e pediram-lhe para reverter a reversão que havia feito. Não explicaram muita coisa e o Sr. Matias, coitado, ficou sem entender nada.
Quando encontrei-os mais tarde com as visões desestabelecidas e com olhares decepcionados e odiosos, fizeram pouco caso da minha presença. Não entendi! Perguntei o que havia acontecido e recebi o silêncio como resposta. Depois de uns malditos quinze minutos o cachorro virou-se para mim e disse:
- Você com suas estórias! Humf! Não venha me encher que eu não falo mais com você!!
O garoto por sua vez virou o rosto e foi-se embora. Não fiz nada, não precisava deles mesmo.
Uma outra vez conheci outro garoto e outro cachorro. O primeiro estava demais acostumado com sua inteligência limitada. O lambão era ensinado, mas não falava uma palavra.
Depois de algum tempo de convívio pensei e fiquei em dúvida se deveria apresentar-lhes o Sr. F. K.

Thursday, June 08, 2006

Alucinado

É! Era tristeza!
Até algum tempo atrás era só tristeza!
Sem motivo aparente.
Era exatamente nada.
Daí veio uma viagem que me mostrou muitas coisas.
E muitas coisas já esqueci.
Me tranquei numa pequena caixa de madeira e vi coisas que não eram pra ser vistas.
Fiquei feliz, assustado, com medo, desanimado, desesperado e revoltado.
Tudo ao mesmo tempo.
Saí correndo, gritando neste pequeno mundo.
E almas de outros mundos talvez escutaram minha dor,
minha alegria,
minha mente confusa se expressar de forma tão estranha.
Não sei se escutaram...
Mas esqueci muito do que vi.
E o que eu tenho agora é só o alívio de saber que nada é exato.
As coisas não são exatamente como imaginamos.

Só de lembrar o pensamento me falha.
As palavras me fogem.

(?)

Dezoito horas e quarenta e cinco minutos de uma terça-feira especial.
Dentro de um vagão especial de um trem qualquer, centenas de pessoas se espremem e dividem a mesma fração de oxigênio, ávidos por chegar em casa e descansar depois de um estafante dia de trabalho.
O calor me incomoda de tal forma que penso seriamente em arrancar minhas calças... Ainda bem que estou aqui fora, vendo o trem chegar.
Que coisa estranha! Aquelas centenas de pessoas naquele vagão, coincidentemente descem na mesma estação. A última de todas!
E eu aqui fora, perto das escadas, observo o trem chegando. Vejo aquele vagão especial parar à minha frente. Nesse momento me dou conta da cara de aflição de todas aquelas pessoas com seus rostos prensados contra as janelas do trem. Baque!! Um repentino medo me ataca quando as portas começam a se abrir: serei atropelado e pisoteado!

...

Nenhuma reação!
Nem minha, nem deles!!
Fico parado pelo medo.
Eles também. Não sei porquê.
As portas se fecham. O trem volta pelo caminho por onde veio.
Quando me recupero do susto, ainda um pouco confuso pelo que aconteceu, observo ao meu lado a escada rolante.

Interditada!

Ao lado, a escada andante.
Sem nenhum adepto!!

Mas será possível?!?!?

Thursday, June 01, 2006

Antigas, muito antigas.

As duas postagens abaixo são de textos antigos. Muito antigos, de quando estava começando ainda a fazer esse negócio de escrever.

Sonhos de vida

Os frutos de minha imaginação não passam de bons amigos em momentos de solidão.
E os frutos dessa amizade podem até me dizer quem sou de verdade.
Talvez um louco, um depressivo, ou inconseqüente consciente,
que quer viver a vida estando vivo realmente.
Mas não quero me dizer que sou apenas ilusão.
Não quero desapontar nem destruir meu coração.
Então me sonho em nova vida, me vejo diferente.
Sem tolices, sem loucuras, um pouco menos consciente.
Mas uma fome me consome por dentro,
me fazendo relembrar da dor e do sofrimento,
amigos importantes de meus dias de exclusão,
que não me permitem esquecer o que sentia meu coração.
Decido então voltar, parar de me esconder,
quero retornar à vida que me fez sofrer.
Quero imaginar, sentir a ilusão...

Tarde demais...
...tudo se acabou.

Sonho postiço de 80

Feliz época dourada
Mais feliz quem a viveu
Sinto saudade desse tempo
Que ao meu nascer se perdeu

Tempo de alegria e confiança
De luta e de atitude
Onde havia o prazer em se ter esperança
Na força de sua juventude

Juventude forte, que sabia viver
Batalhava sempre. Se preciso até a morte
E mesmo quando não tinha muita sorte
Acreditava sempre em um novo amanhecer

Amanhecer que chegou e desgastou
Trouxe consigo muita gente
Gente que nunca se encontrou
O início de uma geração decadente

Decaiu, sofreu e esqueceu
Ignorou a garra de sua descendência
Por isso sinto tanta saudade
(Do tempo que não vi, os anos 70)
Do tempo que não vivi, os anos 80